terça-feira, 3 de março de 2015
ENTREVISTA ANTIGA COM O MONGE ZEN RYOTAN TOKUDA
ENTREVISTA COM O MONGE ZEN RYOTAN TOKUDA
Temos a honra de abrir esta série de entrevistas reproduzindo a íntegra de uma conversa informal e descontráda com o Venerável Monge Ryotan Tokuda da Escola Soto Zen, que dispensa maiores apresentações. Tokuda — como é conhecido e amado por todos, e como gosta de ser chamado — embora um autêntico Mestre Zen, é uma das pessoas mais simples e despreendidas que conhecemos, e o mais brasileiro (universal) dos japoneses que têm andado por essas bandas. Vivendo no Brasil há quase quinze anos, Tokuda está em Santa Tereza pela segunda vez, com um grande trabalho a realiazr. Nesses anos de Brasil, com sua abertura e ilimitado senso de paciência, compreensão, sabedoria, amor e compaixão, mas, acima de tudo, com sua inigualável capacidade de trabalho, Tokuda-San construiu mosteiros, instalou clinicas de medicina oriental, formou monges, curou pessoas e ensinou outras a curar e — mais do que tudo isto — difundiu o Budismo Puro e Uno, acima das Escolas e das Seitas, sentando-se com milhares pessoas de todas as idades, sentenas de seshins, retiros, simpósios e seminários por este Brasil afora.
Nesta entrevista, Tokuda nos fala de seu trabalho, seus estudos, planos, pesquisas e sonhos, qua abrangem particularmente Santa Tereza — um privilégio nosso — mas que se extendem a todo o Estado do Rio e ao Brasil. Ouçamo-lo com a atenção e o carinho que ele nos merece.
Tokuda-San, o Rio está feliz com sua volta. E o Sr. gostou de voltar à Santa Tereza depois de quase nove anos?
Voltar é sempre gostoso. Especialmente voltar ao Rio, mas como muita gente está dizendo – a missão não é fácil. Não sei se vou conseguir cumprí-la.
Poderia esclarecer os motivos reais de sua volta, além dos aspectos social e sentimental?
Em primeiro lugar, voltei atendendo ao convite Sr. Don, ou ex-Veneravel monge Anurudha, para que sede da Sociedade Budista do Brasil em Santa Tereza continue a ser um centro budista. Em segundo lugar, considero a cidade do Rio de Janeiro o mais importante centro cultural e educacional do Brasil. Muitas pessoas me perguntam sobre a necessidade de levantar aqui um Centro de Meditação. Esses dois motivos juntos são os principais responsáveis pela minha volta. Acho que eu não precisava procurar outro lugar. Resumindo: Voltei porque fui convidado, porque senti que havia necessidade de nosso trabalho aqui.
Quais são seus planos em relação à Santa Tereza e ao Estado do Rio em geral?
Quanto aos meus planos com relação à Santa Tereza posso dizer que tenho e não tenho, porque a Sociedade Budista do Brasil já tem seus planos desde o início. Então, minha missão como quarto Superior deste centro- depois do ex-monge Anurudha,do monge Kaled e do monge Shanti Badhra – é, principalmente, manter, aqui, o Centro de Meditação Budista.
A realização disto implica em muitos detalhes. Além disto, desde o começo da Sociedade, os fundadores-curadores tinham a idéia de construir aqui um edifício de apartamentos, atrás do mosteiro, separado das instalações atuais. Então, estou pensando que meu trabalho aqui é ouvir o máximo de opiniões de todos os interessados e, dentro disso, procurar ver o que eu posso fazer, dentro de minhas limitações. Por exemplo: além do Centro de Meditação, como aqui começou como um centroTheravada, pretendemos organizar um trabalho de tradução dos Tripitakas. Esta é uma meta. Por outro lado, ao tempo em que o Dr. Georges Silva foi presidente da SBB, chegou a ser registrada uma revista com o nome de LOTUS e a circular uma edição. Acho que esse trabalho pode e deve ser continuado. Mas, tudo isto, conforme as necessidades, condições e possibilidades reais de realização. Condições que devem surgir naturalmente. Para mim o importante é escutar os colabodores de desde a época da fundação da SBB, mesmo opiniões opostas.
Quanto mais ouvirmos, melhor. Em termos de Estado do Rio, já temos grupos de praticantes ZEN em Nova Friburgo e Teresópolis, além da cidade do Rio. Isto facilitará a expansão do movimento Budista no Estado. Como já disse, o Rio e um grande centro cultural e o triângulo Santa Tereza (Rio) — São Paulo — Belo Horizonte, parece-me agora ao nosso alcance. Além de Friburgo, temos convites para formar grupos em Campos e outras cidades do Estado. Nossa ida a esses lugares é uma questão de oportunidades em termos de tempo, pois, em virtude de compromissos assumidos antes de nossa volta, temos uma agenda comprometida, pelo menos até o fim deste ano. Posso dizer que é minha intenção permanecer fixo em Santa Tereza pelo máximo de tempo possível, e daqui orientar e irradiar todo o trabalho, tanto na implantação do treinamento ZEN quanto nos campos da medicina oriental e da Transmissão do Budismo.
Em termos de prioridade, como o Sr. alinharia esse planos?
A curto prazo: já realizamos o primeiro mini-seshin estamos treinando (formando) o primeiro grupo de praticantes ZEN para a prática da Medicina Oriental (Shiátsu, Acupuntura e Kam-Pô – ervas medicinais).
Desse grupo florescerá a filial do Instituto Vitória Régia, já funcionando em Belo Horizonte. Em outubr próximo, se todas as condiçes forem favoráveis, pretendo iniciar a transformação de Santa Tereza em mosteiro, com treinamento regular de ZEN para leigos, formaçao de monges, e a realização regular de mini-seshins, seshins e angôs (períodos de treinamento intensivo de meditação e trabalhos, com duração de 90 dias), etc. Como o atual presidente da SBB — Sr. Genaro Quintanilha — está planejando construir novo dormitórios, refeitório, cozinha, etc, gostaria de reunir um grupo de diretores para convidar arquítetos e engenheiros, para elaboração de um projeto global e funcional para o futuro. Para organizar um mosteiro nos moldes tradicionais é claro que demora. Há falta de materiais e instrumentos apropriados, pois como um novo Centro de Meditação, pretendemos organi zar — de maneira correta — a ordenaçao de monges e treinamentos de praticantes leigos.
Embora eu seja monge ZEN, considero-me, antes de tudo, um missionário do Budismo e desejo trabalhar para a expansão do Budismo em geral.. Ultimamente, venho sentindo a necessidade de levantar o nível dos debates em torno do Budismo, reunindo pessoas interessadas daqui e de outros centros. Sinto necessidade de organizarmos uma equipe de pesquisadores, que possa traduzir textos originais dos grandes mestres, e sutras. Também acho importante incrementar o intercâmbio entre os estudiosos de outros ramos da Religião, da Filosofia e das Ciências. Tudo vai depender das condições. O presidente da Sociedade Budista e o Sr. Don, por outro lado, estão interessados em organizar uma sede no centro da cidade. Tudo depende de oportunidade e de condições, de deixar o centro amadurecer. Também a longo prazo gostaria de poder convidar dois monges estrangeiros — um Theravada e um Tibetano, para for mar um centro de Budismo, tanto para treinamento como para pesquisas e estudos em geral, um centro que possa receber praticantes interessados de todo o Brasil e do Exterior. Veremos veremos.
Quem está lhe apoiando nesse trabalho e que tipo de apoio tem recebido?
Em primeiro lugar, tenho recebido todo o apoio do Sr. Don, que me convidou, do Presidente Genaro e da Diretoria, que ratificaram o convite, bem como do monge Kaled. Todos têm sido muito gentis, leais e sinceros. Devo ressaltar que ganhei licença do Superior da Escola Soto Zen de São Paulo — Mestre Shingu — para transferir para Santa Tereza o centro de minhas ati vidades. Outra forma de apoio é a presença de muitos freqüentadores às reuniões de Santa Tereza, muitos já se iniciando na pática de Meditação, além de praticantes de outras cidades do Estado do Rio e dos vários Estados do Brasil, que trazem manifestações de apoio e solidariedade. Além disto, diretores e membros da Sociedade Teosófica do Brasil têm-se trazido o seu apoio, em forma de convites para palestras e conferências.
E quanto aos obstáculos, existem? Quais os mais freqüentes? Jogo aberto, por favor?
Jogo aberto? Pois bem: sim, sempre há barreiras e obstáculos. Por exemplo: sinto que, como a SBB sofreu muitas dificuldades e problemas, há algumas pessoas que se retrairam e estão receosas de voltar a freqüentar Santa Tereza. Espero que com o tempo todos venham se juntar a nós. Mesmo porque — como costuma dizer o Sr. Don “nós somos apenas instrumentos da vontade dos Seres Divinos”, enquanto estivermos treinando no caminho correto. Outro obstáculo é a parte financeira: acho que o número de sócios é reduzido; desses, poucos são os que cumprem rigorosamente em dia seus compromissos e que colaboram realmente. Essa parte precisa melhorar bastante, para que a Sociedade possa ter meios de realizar nossos planos (construções, ampliações, pesquisas, publicações, etc). Depois, acho que precisa haver mais harmonia entre todos os freqüentadores da SBB. Só existe verdadeira Harmonia e colaboração mútua quando — ao invés de um mandar e muitos obedecerem — existe a divisão igual das responsabilidades, deveres, direitos e funções do trabalho. Mas sinto que tudo isto vai se resolvendo satisfatoriamente. Tudo vai melhorar, porque a Sociedade já sofreu muito e todos devem ter aprendido. Quanto ao mais,obstáculos sempre existiram, fazem parte de qualquer trabalho. E é para enfrenta-los e superá-los juntos que estamos aqui.
Em sua opinião o mini-seshin de junho cumpriu suas finalidades?
Cumpriu, sim. Acho que cumpriu. Foi muito bom, Muita gente se inscreveu (quase 40 pessoas) e, no dia, metade não veio. Mas os 20 que ficaram eram de boa qualidade. Meu trabalho principal é Seshin. Com os Sheshins sempre aparecem pessoas para praticar.
Quando haverá novos seshins no Rio?
Estou pensando. No temos ainda lugar apropriado para este fim, mas estou querendo realizar outro sheshin no inicio de outubro, como parte integrante do treinamento, com Santa Tereza já em ritmo de verdadeiro mosteiro. Aguardemos.
Sabemos de seu trabalho incansável na dífusão do Budismo, nesse período em que esteve fora de Santa Tereza. Poderia resumí-lo para nós?
Logo que saimos de Santa Tereza, organizamos a Sociedade Mahamuni, em Copacabana, que depois transferiu-se para Nova Friburgo. Na mesma época continuei o trabalho com o grupo de Meditação Zen em Porto Alegre. Daí, fui convidado para o Mosteiro Morro da Varzea, em Ibiraçu, Espírito Santo, deixei Nova Friburgo e fixei-me em Ibiraçu, onde comecei a formar os monges Zen brasileiros. Desses, três encontram-se no Japão, treinando em mosteiros japoneses. Nessa altura, comecei a participar de simpósios, congressos e seminários e, dai surgiram os primeiros grupos de praticantes Zen em Belo Horizonte, Minas Gerais, onde já fomos agraciados com a doação de terreno para a construção do templo Zen “Olho D’água”. Ainda em Belo Horizonte, fundamos o Instituto Vitória Régia, centro de pesquisa e pratica de medicina oriental .
No Instituto, funcionam a parte de tratamento e um centro de pratica de meditação, sob a direção de monges brasileiros. Afora isto, têm-nos sido oferecidos terrenos para a construção de outros mosteiros (em Nova Friburgo e interior de São Paulo), mas não pudemos aceitar, por falta de condições (tempo), para assumir novos compromissos. Finalmente, o plano da Construção de um Centro de Cultura Budista em Ouro Preto, Minas Gerais, para o qual estamos aguardando a confirmação de doação de um terreno pela Prefeitura local. Para Ouro Preto, a ideia e a organização da BBB (Biblioteca Budista do Brasil) reunindo, principalmente, toda a coleção de livros e textos budistas editados em línguas ocidentais, desde fins do século passado. Além da Biblioteca central, o Centro disporia de filmes, slides, cassetes, sistema de som, auditório e sala de projeções, centro de artesanato, pesquisa, traduções e edições de obras budistas.
De nossa parte, estamos satisfeitos e agradecidos, utilize o espaço que quiser para dizer o que lhe parecer necessário dizer, aqui e agora?
Eu e que agradeço. Bem, estou sentindo que está chegando a hora de voltar ao Japão para atualizar e aperfeiçoar meu treinamento pessoal com um mestre Zen japonês. Isto não significa que vou embora definitivamente, porque já considero o Brasil minha terra natal ou minha segunda pátria. Minha idéia é aproximar cada vez mais Brasil e Japão. Acho que quando mais juntos estivermos, melhor. Para isto é preciso muito intercambio cultural, filosófico e religioso entre Brasil e Japão. E, também, como o Budismo é universal, é preciso ampliar o desenvolvimento do intercâmbio com o mundo inteiro. Atualmente, pelo menos quatro praticantes Zen brasileiros estão em treinamento no Zen Center de São Francisco, Califórnia, EUA, e alguns outros visitantes do Japão, China, Índia, Tibete, etc. Portanto, acho que está chegando a hora de viajar. Mas fiquem tranqüilos. Não pretendo voltar para o Japão, mas ir ao Japão, e voltar ao Brasil. Há muito o que fazer aqui.
O EDITOR: Reiteramos nosso agradecimento, votos de que o Sr. realize todos os seus planos e conte com total apoio e solidariedade do SBB-Jornal.
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