A PERFEIÇÃO DA MEDITAÇÃO
Khenpo Appey Rinpoche
A PERFEIÇÃO DA MEDITAÇÃO
A quinta das seis perfeições é a perfeição da meditação, ou concentração. Concentração significa colocar a mente em um ponto, sobre um só objeto, sem que ela oscile para um outro objeto. Quando este estado de concentração se junta com o pensamento de conduzir todos os seres sencientes ao estado de liberação, e também com a visão da realidade última, nesse momento a prática da concentração torna-se a perfeição da concentração.
A força que se opõe à concentração é a dispersão, a mente oscilante ou dispersa. Mesmo se tivermos uma mente de concentração, se meditarmos sobre a visão incorreta, isto não nos trará o resultado. Mesmo se meditarmos da forma correta, com a visão correta e também com a idéia correta de virtude, se buscarmos apenas o resultado para esta vida ou para nossa liberação pessoal, não é uma prática de concentração completa.
Quando a mente está dispersa, não conseguimos realizar coisa alguma corretamente. Assim como um curso de água começará a transbordar, indo em várias direções, se não tiver um lugar adequado dentro do qual possa fluir, da mesma forma, se nossa mente estiver distraída, nossos pensamentos irão em diversas direções, e isto não é benéfico a nós. E assim como a água irá sempre fluir para baixo, como uma cachoeira, se não tiver um canal dentro do qual possa fluir, da mesma forma, quando nossa mente não está dirigida no sentido correto, nossos pensamentos estarão sempre em uma direção negativa, buscando sempre pensamentos e ações não-virtuosos.
Será, portanto, um grande erro nesta vida se não formos capazes de nos concentrar ou de manter nossa mente de forma correta. Também na hora de nossa morte, se não tivermos tido a capacidade de concentrar nossa mente de forma adequada, teremos uma grande lástima na hora de nossa morte, e isto irá também criar infelicidade naquele momento. Podemos ver, assim, que no decurso de toda a nossa vida, até a própria hora de nossa morte, o fato de termos uma mente dispersa irá criar muito sofrimento.
Em nossas vidas futuras, também, nossa mente estará muito dispersa, e não seremos capazes de superar a dispersão, ainda que tentemos meditar. Assim como um curso de água que é muito difícil de deter quando começa a cair de um penhasco, da mesma forma, na vida futura será muito difícil obstruir a dispersão de nossa mente. Além do mais, se não formos capazes de obstruir nossa mente na vida futura, é o mesmo que dizer que mais e mais atos não-virtuosos irão surgir, e que devido ao número sempre crescente de prejuízos, o resultado será o renascimento em reinos sucessivamente inferiores.
Assim também, se meditarmos com a visão incorreta, isto criará muitos obstáculos para nós. Temos que ter a idéia adequada dos métodos de meditação, do objetivo da meditação, e da visão com a qual nos pomos em meditação, especialmente a visão da realidade última, no momento da prática da meditação. Houve, por exemplo, um praticante que meditou por doze anos sobre uma forma de vacuidade que não era uma visão adequada da realidade última. Como resultado, diz-se que em sua vida seguinte ele nasceu como um gato.
Quando nos dirigimos a algum lugar, se cometermos o engano de tomar o caminho errado, isto irá tornar nossa viagem mais longa e mais difícil, pois teremos que voltar todo o caminho que já percorremos, novamente até o ponto de partida. Da mesma forma, sempre que praticarmos a meditação, é necessário que tenhamos a visão correta a acompanhá-la, de modo a não cometermos nenhum engano no caminho. Segundo o grande Bodhisattva Maitreya, quando vemos outros meditando sobre a visão errônea, não deveríamos criar a idéia de querer competir com eles. Deveríamos, em vez disto, meditar sobre a compaixão pelo fato de eles estarem indo no caminho errado.
Diz-se, também, que se nós apenas meditarmos sobre a bondade-e-amor e a compaixão, sem uni-la à visão da realidade última, jamais conseguiremos obter o resultado da liberação. A meditação sobre a bondade-e-amor e a compaixão é uma prática virtuosa. No entanto, ela não é completa porque não está conjugada com a visão última da realidade. Por outro lado, se fizermos nossa meditação apenas sobre a visão da realidade última, sobre o estado de vacuidade e não a acompanharmos com a bondade-e-amor e a compaixão, ela também não será completa. A razão disto é que embora possamos obter um resultado como a liberação do Arhat ou o resultado do caminho de menor escopo da tradição budista, não estaremos beneficiando os outros seres. Assim, para praticar adequadamente, tanto a compaixão quanto a sabedoria, ou tanto os meios hábeis quanto a vacuidade, precisam ser praticados conjuntamente.
Quando observamos o antídoto para a mente distraída, vemos que existem dois antídotos:
1. O antídoto com relação à causa:
Métodos para Superar as Causas da dispersão
APEGO A OUTRAS PESSOAS – Do ponto de vista da causa da mente dispersa, a mente é dispersa por causa do apego, especialmente o desejar outras pessoas e também o desejar nosso próprio benefício. Para superar a dispersão precisamos destruir ou abandonar este tipo de apego.
Vemos que há muitos erros no fato de ter apego a outras pessoas. Em primeiro lugar, isto obstrui nossa compreensão do sofrimento, das dores deste mundo de existência. O fato de não vermos que este mundo de existência é um estado de dor e de tristeza faz com que não queiramos abandoná-lo. Isto também se deve ao grande apego a outros, pois quando temos que nos separar deles, um grande sofrimento surge em nossa mente. Caímos, também, sob o domínio de outras pessoas, e em vez de usarmos nossa vida em nosso corpo humano que obtivemos para uma boa finalidade, estamos só desperdiçando nossa vida ao usá-lo apenas com o fim de realizar o desejo de outra pessoa. Devido a isto, a pessoa pela qual temos um grande apego se torna um grande obstáculo a que obtenhamos o estado de iluminação. É uma obstrução sob muitos aspectos.
Vemos, também, que as pessoas neste mundo são muito difíceis de agradar. Por uma questão pequena, podem ficar muito felizes ou muito zangadas. Podem até se tornar seu inimigo. Às vezes podem gostar de você, às vezes podem não gostar. Às vezes até quando você faz algo de bom para outra pessoa, pensando que lhe está agradando, ela pode se virar contra você e ficar muito contrariada com aquilo que você está a lhe fazer. Em vez de ficar feliz, ela pode ficar com raiva, surgindo um grande ódio em sua mente. Vemos, assim, que agradar a uma outra pessoa é uma tarefa muito difícil.
Vemos, também, que os seres viventes são realmente muito difíceis de se lidar. Os que estão em posição inferior à nossa ficam com muita inveja de nós. Se estamos ao mesmo nível deles, tornam-se nossos grandes competidores, trabalhando contra nós. Se estão em posição mais alta do que nós, olharão para nós com desprezo, devido a sua posição. Se os elogiamos, tornam-se muito orgulhosos. Se apontamos suas faltas ou lhes fazemos críticas, ficam rancorosos. Então, qualquer que seja o relacionamento, e não importa o que fizermos, nunca poderemos agradar-lhes completamente.
Vemos, também, que as pessoas são muito instáveis. Se tivermos, por exemplo, um poder muito grande, não importa o que dissermos, os outros nos ouvirão sempre, porque respeitam o poder que temos. Se puderem obter benefícios de nós, irão escutar-nos. Se não puderem se beneficiar, ainda assim nos escutarão devido ao poder que possuímos. Mas no momento em que perdermos nosso poder, ainda que lhes digamos palavras agradáveis, ou ainda que lhes tenhamos feito, no passado, muitas coisas boas, nesse momento eles nunca nos darão ouvidos. Em vez disto, irão criticar-nos. Da mesma forma, quando somos ricos temos muitos amigos. Eles ficarão felizes em vir nos agradar, em fazer o que podem por nós. No entanto, assim que perdemos nossa riqueza, jamais iremos ver seus rostos outra vez. Eles virarão a cabeça para o outro lado e se afastarão. Vemos, então, que é muito difícil, se não impossível, agradar a todos os seres viventes neste mundo.
Até o próprio Buda disse que os ensinamentos budistas, que são perfeitos sob todos os aspectos, são também criticados pelos outros. Até no tempo do Buda, as pessoas também o criticavam. Assim, se tivermos a idéia de que queremos fazer felizes a todos, e queremos que todos nos olhem com admiração e que estejam contentes conosco, este será um grande engano. É porque nunca conseguiremos satisfazer as mentes de cada um neste mundo, pois são tão diferentes e estão sempre a buscar as coisas mais diversas para si próprias.
Uma vez, Devadatta, primo do Buda e também seu grande inimigo, ficou muito doente e à beira da morte. O Buda foi abençoá-lo e, devido a essas bênçãos, ele conseguiu superar a doença. Quando se recuperou, disse ao Buda que ele era um médico muito competente, pois conhecia muito bem a medicina e, por esta razão, conseguiu ajudá-lo. Disse-lhe, também, que quando ele, o Buda, ficasse velho, nunca teria dificuldade em obter alimento. Com estas palavras, ele estava, na verdade, mostrando um grande desrespeito pelo Buda.
Também no tempo do Buda, havia um homem de nome Legpekarma que disse ao Buda que havia um mestre jainista que havia obtido o estado da onisciência e que não havia, além deste, ninguém no mundo inteiro que tivesse esta qualidade. Então o Buda lhe disse que esse mestre jainista que ele dissera ser onisciente ia morrer de indigestão dentro de sete dias. Quando Legpekarma voltou ao mestre jainista e lhe contou o que o Buda dissera, disse que era melhor que ele comesse muito pouco durante os próximos sete dias para provar que o Buda estava errado. Assim o mestre jainista quase não comeu nada durante seis dias. No entanto, ele se enganou nos cálculos, e pensou que o próximo dia, que era na realidade o sétimo, fosse o oitavo dia. Fez, então, uma boa refeição no sétimo dia e morreu de indigestão, renascendo como um espírito ávido.
O mestre jainista renascido como espírito ávido encontrou Legpekarma e disse-lhe que aquilo que o Buda havia dito era realmente muito extraordinário. O Buda é que era onisciente, e Legpekarma deveria desistir de sua descrença no Buda e ir buscar suas bênçãos e tomar refúgio no Buda. Mas Legpekarma continuava a resistir a esta idéia. Mais tarde, quando encontrou o Buda, disse-lhe que estava errado ao dizer que o mestre jainista iria morrer, porque o mestre jainista não morrera. O Buda respondeu que o mestre jainista não só tinha morrido nos sete dias como também o próprio Legpekarma havia falado com o homem morto. Legpekarma disse que o Buda estava enganado quanto ao fato de o mestre jainista haver renascido como espírito ávido, porque ele renascera em um dos reinos celestes. O Buda, então, perguntou-lhe quem era o espírito ávido com quem Legpekarma acabara de falar e que lhe dissera que ele deveria vir até o Buda e ter fé.
Nesta hora Legpekarma compreendeu que o Buda realmente possuía um estado de onisciência. Ficou, de fato, muito embaraçado e envergonhado com sua tentativa de enganar o Buda. Entretanto, embora ele compreendesse que o Buda tinha a qualidade da onisciência e pudesse realmente ver o futuro e o estado dos demais seres, mesmo assim ele ainda não teve fé no Buda. Apesar de ter visto o poder do Buda, ele foi-se embora. Então, embora o Buda seja completamente onisciente e um ser perfeitamente iluminado, ainda assim ele não pôde satisfazer a todos os seres viventes neste mundo.
O Buda também disse que nós não deveríamos ter apego sequer por nossos entes queridos, por nossos pais ou parentes próximos. Isto, porque um dia teremos que nos separar deles. Teremos que deixar esta vida sozinhos. Ninguém pode nos ajudar, nem mesmo aqueles que nos ajudaram nesta vida. Da mesma forma, não é conveniente ter ódio ou raiva dos inimigos, porque na verdade, neste mundo, todos estão sempre mudando. As coisas mudam a todo momento, até, às vezes, nossos amigos e entes queridos podem tornar-se nossos inimigos, e isto também pode ocorrer na próxima vida. As coisas estão sempre mudando.
A história que se segue ilustra esta questão de que tudo muda. Havia um casal que tinha uma filha. Então, o casal morreu, deixando a filha. O marido renasceu como peixe, e a esposa renasceu como cachorro. Uma vez, a filha estava sentada à beira da estrada comendo um peixe e, enquanto comia, aproximou-se um cachorro e tentou tirar-lhe um osso. Ela mordeu [o peixe] e chutou o cachorro. No colo, ela segurava um bebezinho junto a si.
Lá estava ela, sentada, abraçando bem o bebê, mastigando o peixe e ao mesmo tempo espantando o cachorro, quando um Arhat veio passando. Ele olhou para todos e, por conta de sua compreensão das coisas do mundo, sacudiu a cabeça e disse que o mundo era mesmo um lugar muito estranho. A mulher estava comendo seu pai, batendo em sua mãe e sentada com seu inimigo no colo. Então sob este ponto de vista, podemos ver que o apego aos outros nesta vida não é uma coisa que nós devamos praticar.
APEGO ÀS COISAS – O segundo tipo de apego é o apego aos objetos ou artigos nesta vida. Para obter as coisas nesta vida, diz-se que se pratica a não-virtude e também que se vai ao encontro de dificuldades. Em todas as três fases da aquisição das coisas – a fase de tentar obtê-las, a fase de tê-las obtido e depois a fase de perdê-las – o sofrimento está sempre envolvido. Por exemplo, no tempo em que se tenta acumular riqueza, temos que desempenhar uma quantidade de tarefas difíceis. Nós realmente sofremos para nos empenharmos em muitas ações não-virtuosas para acumulá-la. Às vezes, temos até que falar de uma forma ruim ou violenta. Nós até enganamos os outros ou nos prevalecemos deles. Então, sob todos os pontos de vista, no processo de acumular riqueza, estamos criando muitas imperfeições e neste processo não temos condições de praticar o dharma. Além disto, mesmo aqueles que nos são próximos, como nossos próprios parentes, podem tornar-se nossos inimigos e nossos inimigos podem tornar-se ainda maiores inimigos. Mesmo aqueles que não conhecemos podem tornar-se nossos inimigos.
Então, quando já obtivemos esses objetos, temos o sofrimento do medo de que os vamos perder. Temos, então, que protegê-los de muitas formas que criam sofrimento. Nossa preocupação de tentar proteger nossas posses torna-se tão grande que nos tornamos escravos dos objetos que desejamos. Então, em vez de possuí-los, eles começam a nos possuir. Temos que trabalhar para eles. E também, quanto queremos nos assegurar de que somos capazes de protegê-los e de mantê-los, tornamo-nos escravos das outras pessoas. Assim, estamos sempre empenhados em diferentes tipos de sofrimento. E também, pelo fato de tentarmos proteger as coisas que obtivemos, mais uma vez criamos muitos inimigos. Temos medo de que os outros possam tentar tomar nossas posses, e achamos que eles estão contra nós. Pelo fato de sempre tentarmos proteger as coisas que temos, criamos tantos maus pensamentos e más ações que isto cria grandes imperfeições e resulta em um mau renascimento.
Também, no momento de perder um objeto, temos um grande sofrimento, porque na hora de perdê-lo não conseguimos praticar qualquer ato virtuoso, o que exaure, dessa forma, nossa fonte de virtude. Tornamo-nos, também, muito infelizes e contrariados com os outros. Criamos raiva e ódio em nossa mente e, por conseguinte, mais imperfeições, sofrimento e atos não-virtuosos são criados. Assim, sob todos os pontos de vista, a perda de um objeto é um estado de sofrimento.
No entanto, isto não significa que tenhamos que nos livrar de tudo que possuímos. Os objetos que temos, por si próprios, não são um problema. O problema está em nosso apego a eles, e é este apego que precisamos superar. Assim, você não tem que jogar fora a chave do seu carro e tomar um ônibus para voltar para casa. Da mesma forma, se você é apegado a outros seres viventes, isto não significa que haja algo de errado com eles. O problema está em seu apego a eles. Não há nada de errado com as outras pessoas enquanto tais, você não precisa se preocupar com elas. Mas o seu apego a elas precisa ser diminuído ou destruído. Igualmente, temos que diminuir ou destruir nosso apego aos objetos que possuímos nesta vida. Diminuir ou destruir nosso apego a eles irá nos ajudar a superar nossa mente dispersa.
Quando se pergunta se nós podemos obter alguma felicidade com as posses que temos neste mundo, diz-se que as posses que obtivemos irão trazer-nos uma pequena quantidade de felicidade, mas os problemas que surgem são muito grandes. É igual a quando pomos mel sobre o gume de uma faca muito afiada e passamos a faca em nossa língua para tirar o mel. O sabor do mel é agradável, embora seja muito pouco em comparação com o fato de termos nossa língua sendo decepada. Da mesma forma, nosso apego aos diversos objetos ou pessoas neste mundo nos dá um pouco de felicidade, e junto com ela também nos dará um grande sofrimento. Nagarjuna disse que se temos áreas com forte prurido em nosso braço, ao coçá-las sentimos algum prazer. Vamos nos sentir muito bem coçando-as. Existe uma felicidade que surge daí. No entanto, se não havia, de início, um prurido, o prazer é muito maior. Da mesma forma, se temos apego a objetos e a pessoas, a felicidade que surge é muito pequena. Mas se não tivermos apego desde o início, a felicidade que surge daí será maior.
2. O antídoto com relação ao resultado:
Métodos para superar a Dispersão Diretamente
Encontram-se a seguir os métodos que tratam da dispersão diretamente. O método para superar uma mente dispersa é uma mente de concentração. Em outros termos, a meditação da concentração é o antídoto para superar a mente dispersa.
Existem três aspectos diferentes da meditação da concentração:
Meditação da Concentração Mundana – Com respeito à meditação da concentração mundana, há sete aspectos preparatórios ou preliminares e então, por cima destes, existem os quatro estados de dhyana e também os quatro estados do reino sem-forma. Em outras palavras, existem quatro estados de meditação que surgem do reino da forma e quatro estados de meditação que surgem do reino sem-forma.
Meditação da Concentração Hinayana – Do ponto de vista Hinayana, antes de tudo é necessário meditar sobre a natureza de sofrimento deste mundo de existência. E então, por cima disto, meditar sobre a concentração e então meditar sobre a sabedoria do insight. Da sabedoria do insight a meditação é expandida para incluir o que é conhecido como os trinta e sete fatores de iluminação.
Meditação da Concentração Mahayana – Na tradição Mahayana há duas tradições que são ensinadas – a tradição da Apenas-Mente (Mind-Only) que foi ensinada de acordo com o grande mestre indiano Asanga, e a tradição do Caminho do Meio (Middle-Way) que foi ensinada por Nagarjuna e Aryadeva e mais tarde por Shantideva. A explicação a seguir está de acordo com a tradição do livro de Shantideva, O Bodhicaryavatara.
Meditação da Concentração Segundo a Escola do Caminho do Meio (Middle-Way)
Segundo a escola do Caminho do Meio (Middle-Way), como está explicado no Bodhicaryavatara, diz-se que o método Mahayana para praticar a meditação é meditar diretamente sobre o pensamento da iluminação. Entretanto, para produzir o pensamento da iluminação de modo adequado, é necessário meditar sobre a bondade-e-amor e a compaixão. Embora não se ensine no Bodhicaryavatara que a pessoa medite primeiro sobre a bondade-e-amor e a compaixão, é necessário fazê-lo para que se produza o pensamento da iluminação.
MEDITAÇÃO SOBRE A BONDADE-E-AMOR – Quando meditamos sobre a bondade-e-amor, devemos pensar a respeito do objeto sobre o qual devemos meditar a bondade-e-amor. O objeto deve ser alguém que não possua a felicidade completa. Neste mundo, ninguém possui a felicidade completa, exceto o Buda totalmente iluminado. Além dele, todos os demais seres viventes neste mundo têm alguma forma de sofrimento. Assim, nossa meditação sobre a bondade-e-amor deve ser dirigida aos seres viventes neste mundo que não têm a felicidade completa. Quando meditarmos sobre a bondade-e-amor, o que devemos fazer é meditar sobre alguém por quem temos um grande amor e então igualar todos neste mundo a essa pessoa.
Por exemplo, se usarmos nossa própria mãe como nosso objeto de meditação, criamos uma idéia de bondade-e-amor para com ela, e então devemos pensar também que todos os seres viventes são parecidos com nossa própria mãe. Ou então, se você usar seu próprio filho, seu irmão, irmã ou alguém por quem você tem um amor especial como objeto de meditação, você cria uma idéia de bondade-e-amor para com esse filho, e então você torna todos neste mundo iguais a seu próprio filho.
Bondade-e-amor significa que a pessoa sobre a qual você está meditando deveria ter a felicidade e as causas da felicidade. A felicidade que eles devem obter deveria ser a felicidade que é livre de todas as imperfeições e livre, também, de todas as não-virtudes. Este tipo de felicidade é o tipo puro de felicidade. Possuir as causas da felicidade significa ser livre da prática de atos não virtuosos que são a causa da infelicidade.
Além disto, eles deveriam ter grande felicidade ou grande virtude. A grande virtude, neste caso, significa não apenas uma ação que seja livre de imperfeições, mas também uma ação que envolva a motivação Mahayana de trabalhar pelo bem dos seres sencientes. Nós meditamos que esta pessoa ou todos os seres sencientes que visualizamos à nossa frente obtenham este estado de felicidade e as causas da felicidade até o tipo de felicidade obtido pelo Buda completamente iluminado.
O próprio Buda disse que os benefícios que emanam da meditação sobre a bondade-e-amor são muito vastos e extraordinários. Diz-se que se nós pegássemos muitos mundos cheios de jóias e os oferecêssemos aos seres iluminados, haveria muitos méritos acumulados por este tipo de oferenda. Entretanto, maior ainda que esta oferenda é um momento de meditação sobre a bondade-e-amor. Desta forma, a bondade-e-amor tem os grandes benefícios de acumular mérito e também de beneficiar a si próprio e aos outros.
MEDITAÇÃO SOBRE A COMPAIXÃO – Em segundo lugar, devemos meditar sobre a compaixão. Em primeiro lugar, devemos compreender quem deve ser nosso objeto de meditação sobre a compaixão. Segundo o ensinamento de Maitreya, ele disse que há dez diferentes objetos sobre os quais podemos meditar a compaixão:
Aqueles que têm grande desejo ou grande apego aos outros.
Aqueles que praticam a virtude, mas que são obstruídos em sua prática da virtude. Por exemplo alguém que está tentando praticar o dharma, mas que está tendo muitos obstáculos, como ser perturbado por espíritos ou simplesmente não conseguir acumular as virtudes que decidira realizar.
Aqueles dos reinos inferiores que têm sofrimentos muito grandes.
Aqueles que têm grande ignorância. Por exemplo, aqueles que estão sempre praticando a não-virtude, como alguém que mata galinhas.
Aqueles que pensam que este mundo de existência irá trazer-lhes a felicidade e contam com ele para lhes trazer a felicidade.
Aqueles que trilham o caminho errado, o tipo de caminho religioso ou filosófico que não terá condições de ajudá-los.
Aqueles que, tendo obtido os estados de samadhi ou estados muito profundos de meditação, criam grandes obstáculos para si mesmos devido a seu apego àquilo que atingiram.
Aqueles que praticam, por exemplo, o caminho errado e pensam que já obtiveram o estado de liberação, quando, na realidade, não o obtiveram.
Aqueles que estão trilhando o caminho Hinayana.
Os Bodhisattvas que não realizaram as duas acumulações de mérito e sabedoria.
Maitreya também explicou que uma outra maneira pela qual podemos descrever o objeto sobre o qual meditamos a compaixão está em relação com as seis classes de pessoas que estão em oposição às seis perfeições. Assim, a respeito da perfeição de dar, aqueles que são avarentos e que são uma obstrução à perfeição de dar tornam-se nossos objetos de meditação sobre a compaixão. Podem, da mesma forma, ser nossos objetos de meditação sobre a compaixão aqueles que quebram seus votos de disciplina, aqueles que têm raiva, aqueles que são preguiçosos, aqueles que têm mentes muito dispersas ou muito agitadas, e, por fim, aqueles que são ignorantes.
Maitreya também disse que nós podemos combinar os objetos ou nossa meditação sobre a compaixão em dois grupos. O primeiro grupo consiste naqueles desta existência mundana e o segundo consiste naqueles que se situam no extremo do nirvana. Em outras palavras, aqueles da tradição Hinayana que lutam para obter sua liberação pessoal e ainda não a alcançaram e que não são capazes de trabalhar pelo bem dos demais seres sencientes. Meditamos sobre eles como objetos da compaixão, pois eles têm grande dificuldade para atingir o estado de total e perfeita iluminação de um Buda.
Dentro do primeiro grupo, podemos também dividi-los em duas categorias:
A primeira categoria compreende aqueles que estão criando as causas de sofrimento futuro – por exemplo, aqueles que estão praticando grandes ações não virtuosas para acumular riqueza ou para obter felicidade para si mesmos. Agindo desta maneira inadequada, eles estão criando as causas de sofrimentos futuro. Na próxima vida ou em uma vida futura, estes irão nascer definitivamente no reino mais baixo. Então, são suas ações que estão criando a causa do sofrimento futuro. Este é um grupo de pessoas sobre as quais meditamos a compaixão.
A segunda categoria compreende aqueles que têm o resultado do próprio sofrimento. Isto consiste naqueles que estão manifestamente experimentando o sofrimento neste momento. Por exemplo, aqueles que estão nos reinos inferiores como os infernos, e mesmo aqueles dos reinos mais elevados, como o reino dos humanos. Entre estes, incluem-se aqueles que são pobres, ou que têm grande sofrimento de medo, como o medo da doença ou da velhice, ou que estão separados das coisas junto das quais eles desejam estar, ou aqueles que desejam estar separados das coisas que estão junto a eles. Em outras palavras, aqueles que estão passando por más condições ou por sofrimentos. Este é um outro grupo de pessoas sobre as quais meditamos a compaixão.
Com relação ao método para criar a compaixão, diz-se que a compaixão surge como resultado de se ver o sofrimento. Ao vermos, repetidamente, os outros seres em estado de sofrimento, e sobre isto meditarmos, a compaixão por eles irá surgir dentro de nossa mente. O que devemos fazer é examinar com cuidado o estado de sofrimento dos outros, ver como os outros caíram nos três diferentes tipos de sofrimento, que são o sofrimento do sofrimento, o sofrimento da mudança e o sofrimento da natureza condicionada de que está impregnado este mundo. Além disto, podemos confiar em um mestre espiritual que nos dê ensinamentos sobre os métodos de produzir a compaixão. Quando virmos os vários estados de sofrimento, meditarmos sobre isto, e, ao mesmo tempo, recebermos o maior número de ensinamentos que pudermos por parte do amigo espiritual, aí, então, será fácil produzir o pensamento da compaixão. Se, antes disto, já produzimos o estado da compaixão em nossa mente, seja na vida anterior ou nesta existência, será, desta vez, bem fácil produzir em nossa mente um pensamento de compaixão.
O método para meditar sobre a compaixão é, antes de tudo, igualar todos os seres a alguém por quem você tenha um grande amor, seja sua própria mãe, seu próprio filho ou alguém muito próximo a você. Então, usando-os como objeto de sua meditação, você produz, com relação a eles, uma mente de compaixão. É necessário usar alguém por quem você tenha um grande sentimento porque quando você pensa em alguém que traz à sua mente sentimentos de felicidade, é mais fácil produzir um pensamento de compaixão por ele. Se você tentar meditar sobre seu inimigo, ou sobre alguém que esteja em um estado muito ruim, você pode sentir aversão ao vê-lo, porque você pode não gostar de sua aparência. Assim, para começar, você não conseguirá criar uma mente de compaixão.
Compaixão significa produzirmos um pensamento de que eles sejam livres de todo sofrimento e das causas do sofrimento. As causas do sofrimento significam a produção de imperfeições e também de não-virtudes. As imperfeições e as não-virtudes são produzidas pelo apego ao eu, visualizando o eu como sendo real. Então formulamos, neste ponto, o desejo de que “todos os seres sencientes sejam livres de sofrimento, e especialmente que sejam livres deste apego ao ego ou a um eu, que é a causa real de todos os demais sofrimentos.”
Com relação aos benefícios de se praticar a compaixão, o Bodhisattva Avalokiteshvara, em um dos sutras, perguntou ao Buda qual é a única prática do darma que pode ser igualada a todas as práticas juntas. O Buda respondeu que o único dharma que devemos praticar e que é, realmente, a combinação de todas as práticas do dharma postas em conjunto, é a prática da grande compaixão. Por meio desta única prática, todos os ensinamentos budistas são praticados juntamente. Como a compaixão é tão grande que foi até ensinada pelo próprio Buda, diz-se que sempre que praticarmos o dharma, esta prática deve ser, em todos os momentos, impregnada pela compaixão, em seu início, em seu meio e em seu fim. A compaixão é a fonte, a essência real de todo o caminho.
MEDITAÇÃO SOBRE O PENSAMENTO DA ILUMINAÇÃO – A seguir, meditamos sobre o pensamento da iluminação. O pensamento da iluminação é meditado de duas maneiras:
A NATUREZA IDÊNTICA DE SI-PRÓPRIO E DOS OUTROS - Com relação à meditação sobre a natureza idêntica de si-próprio e dos demais, você deve pensar que “eu mesmo trarei felicidade a todos os seres vivos neste mundo”, e também “eu mesmo libertarei todos os seres sencientes de todo o sofrimento neste mundo.” E quando qualquer felicidade chegar a você, você deve pensar, “que todos os seres sencientes obtenham o mesmo tipo de felicidade que agora obtive.” Sempre que tivermos qualquer tipo de sofrimento, pensamos, naquele momento: “que todos os seres sencientes sejam livres deste tipo de sofrimento pelo qual estou passando agora.” Desta forma, então, igualamo-nos a todos os seres sencientes, para levar-lhes felicidade e para libertá-los do sofrimento. Esta idéia da natureza idêntica de si-próprio e dos outros deve ser objeto de meditação repetida, até tornar-se um pensamento muito forte. No momento em que estivermos muito acostumados com a idéia de igualarmo-nos ao outros, aí, então, podemos começar a meditar sobre trocarmo-nos com os outros.
TROCANDO-SE COM OS OUTROS – Podemos meditar sobre a troca de nossa própria felicidade pelo sofrimento dos outros de duas maneiras, através de um método extensivo e através de um método curto.
O MÉTODO EXTENSIVO – Geralmente, quando vemos pessoas que são superiores a nós, ficamos com inveja delas. Pensamos que elas nos tratam mal, que elas não têm compaixão por nós, que elas nos olham com desprezo. Pensamos que elas nos criticam e nos apontam muitas falhas. Pensamos que a única razão pela qual elas fazem isto é porque pensam que são maiores do que nós. Desta maneira, então, criamos inveja daqueles que estão acima de nós. Com relação àqueles que estão ao nosso mesmo nível, temos um grande sentimento de competição. Pensamos que, pelo fato de estarem estas pessoas no mesmo nível que nós, precisamos competir com elas de todas as maneiras possíveis, de modo que elas nunca possam se tornar maiores do que nós. Com relação àqueles que estão em nível inferior a nós, criamos um grande sentimento de orgulho pelo fato de eles serem inferiores e não deverem ser objeto de nosso trato igualitário. Nós os desprezamos de muitas e diversas formas. Desta maneira, com relação àqueles que estão acima de nós, no mesmo nível que nós, ou abaixo de nós, criamos o pensamento da inveja, da competição e do orgulho, respectivamente.
Para praticarmos a meditação da troca, de trocarmos a nós mesmos pelos outros, temos que inverter ou que abandonar este tipo de pensamento para com estas três categorias de pessoas. Com relação àqueles de quem temos inveja, o método é trocarmos nossa posição com a da outra pessoa, de modo a nos colocarmos na posição superior e colocar a outra pessoa, que estava acima de nós, na posição mais baixa. Feito isto, você cria, então, inveja para com esta outra pessoa que é, na verdade, nós mesmos. Quando virmos as más conseqüências que isto cria, teremos vontade de desistir da idéia e de trocá-la, no sentido de que, em vez de termos inveja, desejaríamos afastar a inveja para longe daquela pessoa.
Com relação àqueles a quem sempre dirigimos nosso orgulho, trocamos de posição com a pessoa em nível inferior. Tornamo-nos, nós mesmos, a pessoa que está abaixo, e colocamos acima de nós a pessoa que estava abaixo, e que irá desprezar-nos com orgulho. Da mesma forma que teríamos orgulho ao olharmos com desprezo para esta outra pessoa, é ela, agora, quem nos está olhando com desprezo.
Com relação àqueles que estão em nosso mesmo nível, aqueles com quem estamos sempre competindo, trocamos de posição com eles. Começamos, então, a competir conosco. Desta maneira, você irá tentar beneficiar a outra pessoa, porque você estará pensando nos benefícios à outra pessoa como sendo seus próprios. Todo este método de se trocar com os outros em relação aos três tipos de pessoas – as superiores, inferiores e aquelas ao mesmo nível que nós – está explicado em detalhe no oitavo capítulo do Bodhicaryavatara.
O MÉTODO CURTO – O método de trocar-se com os outros em uma forma abreviada é pensar que toda a felicidade e a virtude que você tem é dada a todos os seres vivos neste mundo, e que todo o sofrimento, a não-virtude e a infelicidade que todos os demais têm neste mundo você toma para si. Você formula o desejo de “que toda a minha felicidade e virtude frutifiquem sobre os outros” e “que todo o sofrimento, infelicidade e não-virtude dos outros frutifiquem sobre mim.” Se você assim fizer, isto realmente cria uma grande meditação de troca de si com os outros. Diz-se que o mérito que surge disto é incrivelmente vasto. Nagarjuna disse que se nós pudermos dar uma forma, ou um formato, ao mérito que surge quando se pensa nesta troca de si com os outros ainda que por um só momento, diz-se que que seria ainda maior do que o céu dos três reinos de existência.
O método para realizar esta meditação sobre o pensamento da iluminação significa que continuamos a meditar repetidamente sobre este pensamento de sempre dar nossa felicidade e nossos benefícios aos outros de modo a que possamos dar-lhes um estado de total e perfeita iluminação. E, enquanto isto, nós também lhes conferimos todas as formas de felicidade em seu caminho para a iluminação, e desejamos que todo o sofrimento dos outros sempre frutifique sobre nós.
Quando meditarmos repetidamente sobre este pensamento de trocar-nos com os outros, seremos capazes de realizar a verdadeira meditação do pensamento da iluminação. Para realizar isto, é sempre necessário ver as falhas de se trabalhar apenas em seu próprio benefício, e compreender o grande benefício de trabalhar pelo bem dos outros. Quando compreendermos as falhas que emanam do fato de se buscar apenas beneficiar a nós mesmos e os benefícios que emanam do fato de se trabalhar pelos outros, isto irá nos ajudar a criar o pensamento da iluminação e também nos permitirá que realizemos esta meditação.
Para assegurar que o pensamento da iluminação não se altere, devemos examinar com muito cuidado o verdadeiro propósito e o benefício em que ele se baseia. Veremos que, por muitas e muitas vidas, estivemos trabalhando apenas em nosso próprio benefício, sem nunca pensar em beneficiar quaisquer outros seres viventes, e durante esta vida, a única coisa que ganhamos são os vários e diversos tipos de sofrimento. Toda a felicidade que estivemos sempre a buscar, nunca a conseguimos obter. Enquanto continuarmos a trabalhar somente pelo nosso próprio bem, buscando a nossa própria felicidade, jamais conseguiremos ganhar aquela felicidade que pensamos que poderíamos obter. Em vez disto, ganhamos apenas mais e mais sofrimento. Quando compreendermos que é apenas através do trabalho pelo benefício dos outros que podemos obter qualquer estado verdadeiro de felicidade, iremos compreender o propósito do pensamento da iluminação.
O que devemos fazer para estabilizar o pensamento da iluminação é sempre examinar o estado de nossa mente. Em outras palavras, devemos criar um espião dentro de nós mesmos para ver o que estamos fazendo. Assim, quando nos examinarmos com toda atenção e descobrirmos que temos algo que possa beneficiar os outros, devemos abrir mão disto e dá-lo a eles. Caso se crie a avareza, em que pensamos que o queremos para nosso próprio bem, devemos arrancar nossa avareza, porque sabemos que, assim fazendo, podemos beneficiar os outros.
Também quando estamos com inveja, devemos superar este pensamento de inveja para com os outros. Por exemplo, quando pensamos que alguém tem muito mais felicidade do que nós, o que devemos, então, fazer para superar isto é voltar esta inveja contra nós mesmos, em vez de dirigi-la à outra pessoa. Devemos pensar: “estou feliz demais, tenho felicidade demais em comparação com os outros, sou superior aos outros.” O que fazemos então é criar um pensamento de inveja para com a nossa própria superioridade e nossa própria felicidade em vez de dirigi-la aos outros.
Devemos, também, examinar e questionar a nós mesmos para ver o que estamos fazendo. Por exemplo, devemos perguntar-nos se o que estamos fazendo através de nosso corpo, nossa voz e nossa mente está-nos enviando para baixo, para o reino inferior, ou se estamos indo no caminho errado. Assim, você se questiona para ver como você está atuando neste mundo.
Você deve, também, perguntar-se para ver se está ou não praticando de modo adequado. Se alguém lhe faz um mal, você não deve pensar que este mal é causado por uma outra pessoa. Em vez disto, você deve pensar que o sofrimento que você está experimentando se deve a seu próprio carma e não ao mal que foi feito por uma outra pessoa. Quando você está fazendo alguma coisa contra os outros, naquele momento você deve pensar: “estou fazendo uma coisa que não é certa.” Examine-a com muito cuidado, e declare em voz alta para si mesmo ou para os outros que você cometeu um erro, de maneira a que você possa se deter.
Da mesma forma, então, se alguém o elogiar, e mesmo que o elogio seja verdadeiro, o que você deve fazer é trocar suas próprias qualidades com aquelas dos outros. Assim, em vez de produzir um pensamento de orgulho pelas qualidades que você tem, você deve pensar em dar suas qualidades aos outros e tomar para você as qualidades dos outros, embora sejam inferiores às suas. Você deve pensar que suas próprias qualidades pertencem, na verdade, às outras pessoas, e suas qualidades menores pertencem a você.
Mesmo que você tenha certas qualidades que sejam especiais, você deve pensar que as qualidades não são permanentes. Este é um método para destruir qualquer orgulho que possa surgir pelo fato de se ter alguma qualidade. Acima de tudo, você não deve exibir suas qualidades como uma exposição, mas em vez disto você deve esconder suas próprias qualidades. Você não deve se tornar orgulhoso das qualidades que você tem.
Em suma, vemos que todo o sofrimento que temos neste mundo se deve ao fato de tentar obter felicidade e benefícios somente para nós mesmos, e que nós sempre fizemos isto através do amor-a-si-próprio. O único benefício que já obtivemos através deste grande esforço foi sempre o nascimento dentro destes seis reinos de existência. Agora, então, se nós realmente desejamos obter o estado de Buda, o único método para fazê-lo é trabalhar pelo bem dos outros. Assim, deixando de lado todo o nosso amor-a-si-próprio e começando, em vez disto, a ter amor pelos outros como a nossa própria pessoa, seremos capazes de realizar este caminho e seremos realmente capazes de ganhar benefícios não apenas para nós mesmos, mas também para os outros.
Segundo os tibetanos, a palavra “meditação” significa habituar-se. Significa tomar alguma coisa e torná-la um hábito, habituar ou acostumar nossa mente a um certo modo de pensar. Por exemplo, se nós nos habituarmos com a idéia do pensamento da iluminação, ele se torna, então, uma realidade em nossa mente. Ele se torna uma tendência habitual. Disse, também, o Buda que ainda que tomássemos apenas um verso de seus ensinamentos, e nos aplicássemos de forma total a estudá-lo, contemplá-lo e meditar sobre ele, ele iria tornar-se uma tendência habitual e nós conseguiríamos realizar seus ensinamentos, mesmo por meio de um só verso.
Para realizar a verdadeira meditação da concentração, para que ela se torne uma perfeição verdadeira em nossa mente, temos que realizar as quatro qualidades daquela prática assim como abandonar os sete apegos, que criam obstáculos a ela.
Quando examinamos os benefícios da meditação, vemos que há benefícios nesta vida assim como nas vidas futuras. Nesta vida, através da realização da meditação:
Seremos capazes de colocar a mente em um estado unipolarizado de concentração.
Seremos capazes de superar as imperfeições mais grosseiras do desejo, do ódio e da ignorância, o que é como separar, com um corte, a cabeça do corpo, embora não sejamos capazes de destruir a raiz das imperfeições.
Seremos capazes de estabilizar nossa mente, diminuir a agitação de nossa mente.
Seremos capazes de igualar todos os oitos dharmas mundanos, como os pensamentos de felicidade ou tristeza, ganho ou perda, etc. Nunca teremos qualquer pensamento de querer algo às custas dos outros. Em vez disto, veremos tudo dentro de um estado de equanimidade. Por exemplo, a maioria de nós geralmente tem esperanças de ganhar alguma coisa, ou medo de perder algo. Através da realização da meditação, todas estas esperanças e medos são igualados, e nós não somos levados a diferentes extremos. Em vez disto, a mente é posta no estado de equanimidade.
Podemos levar felicidade ao nosso corpo e alegria a nossa mente.
Podemos obter vários estados de poder mágico como voar no céu, conhecimentos sobrenaturais como ler a mente dos outros, e diferentes estados de consciência sobrenatural, ou consciência superior.
As pessoas irão gostar muito de nós.
Para a vida futura, devido à realização da meditação nesta vida, teremos poderes miraculosos ou consciência sobrenatural. Será mais fácil atingir os diferentes estados de meditação ou samadhi.
No momento da realização do estado de Buda, as quatro purezas, que são algumas das qualidades do estado de Buda, irão surgir.
A pureza do corpo significa que o Buda totalmente iluminado pode, como e quando o desejar, assumir o nascimento neste mundo, ficar neste mundo e partir deste mundo.
A pureza do objeto significa que o Buda pode realizar diferentes poderes miraculosos ou feitos, para beneficiar os outros, como a capacidade de manifestar coisas que não existem e fazer com que desapareçam as que estão em existência. Ele pode, deste modo, realizar vários feitos para ajudar os outros.
A pureza da mente significa que o Buda é capaz de realizar todos os diferentes estados de samadhi que desejar.
A pureza da sabedoria significa que o Buda sabe completamente tudo que é conhecido neste mundo.
O VENERÁVEL KHENPO APPEY RINPOCHE recebeu seus primeiros treinamentos e educação monástica na província de Kham no Tibet Oriental, onde nasceu. Mais tarde mudou-se para o Mosteiro de Ngor no Tibet Central, onde continuou seus estudos. Foi o abade da Universidade de Dzongsar no Tibet Oriental antes de fugir para a Índia. Realizou vários retiros e deu muitos ensinamentos e iniciações. Fugiu do Tibet durante a invasão comunista e reside, desde então, na Índia, onde, até 1967, foi tutor de Sua Santidade Sakya Trizin. Ele e Sua Santidade Sakya Trizin foram as principais forças motivadoras para a fundação do Sakya College of Buddhist Philosophy em 1972 em Mossoorie, na Índia. Serviu como diretor e ensinou por muitos anos no Sakya College em Mussoorie, até mudar-se para o Nepal para dar início a um outro Sakya College em Boudhanath, no Nepal. É, hoje, o mais erudito Khenpo (Abade) vivo, e domina tanto o Sutra quanto o Tantra. (Já falecido).
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